Lúcia Maria Caitano – Lucinha
Data de nascimento: 30/06/1948
Lúcia Maria Caitano (Mestra Lucinha), caxambuzeira nascida na comunidade de São Sebastião de Vargem Alegre, é filha de Saturnino Luiz Caitano e Antônia Mendes Caitano, casal que teve 13 filhos, ao todo.
Desde os 11 anos de idade, Lucinha começou a trabalhar na roça como diarista, cortando cana para a Usina São Miguel, e também debulhando milho e colhendo café. Além disso, trabalhava em Vargem Alegre, na propriedade do seu pai.
Ainda criança, frequentou a escola apenas por 1 ano e 4 meses. Como era muito “levada”, sua professora Filinha Fornaziari não deixou que ela continuasse. Lucinha se ressente muito disso: “Quero aprender tudo até o dia da minha morte, ainda vou voltar a estudar!”, afirma.
Ainda com 17 anos de idade, teve que se mudar para Cachoeiro para trabalhar em duas casas de família, e, no mesmo ano, mudou-se para o Rio de Janeiro. Na época, só tinha o registro de nascimento, os outros documentos ela teve que tirar no Rio. A decisão de se mudar foi pelo fato de que as irmãs Elza e Maria Lúcia já moravam lá, na época.
No Rio, morou no bairro Encantado e trabalhou em casa de família. Aos 18 anos, foi trabalhar como cozinheira na Marinha, e logo depois trabalhou com serviços gerais, por 14 anos, em diversos colégios – trabalhava em 3 escolas: uma na parte da manhã, outra na parte da tarde e outra à noite. Com 35 anos, foi trabalhar como governanta em uma casa na Barra da Tijuca, onde permaneceu por 15 anos. Depois disso, trabalhou como biscate até se aposentar, aos 65 anos.
A decisão de retornar a Vargem Alegre se deu após o falecimento da irmã Luzia e logo depois do falecimento do irmão Vantuil.
Aprendeu o caxambu desde sua infância. Quase todo sábado à noite tinha roda de Caxambu, que era comandada por seu pai. Naquele tempo, as crianças não podiam entrar na roda, pois não era permitido. Sendo assim, elas ficavam brincando de caxambu perto da roda dos adultos, imitando os movimentos e os jongos cantados por eles.
Sua formação se deu pela oralidade, em especial, pelas histórias dos antigos contadas por seu pai. Como saiu cedo de casa, só consegue se lembrar de poucas histórias.
Uma das coisas de que se lembra é que o avô Canuto Caitano, além do caxambu, tinha também uma folia de reis, na qual seu pai Saturnino era palhaço. Os ensaios da folia aconteciam no terreiro de sua casa. Ela assistia atentamente, mas não podia acompanhar o pai e o avô nas jornadas, porque “folia não era coisa de menina e nem de criança”.
Naquele tempo, as folias saíam no dia 24 de dezembro e só retornavam no dia 6 de janeiro. Ficavam esse tempo todo fazendo a jornada, de casa em casa. Quando seu pai já estava mais velho e já não podia mais sair com a folia, os foliões encerravam a jornada em sua casa. Eles eram recepcionados por seu pai, o dono da casa, que recebia a bandeira e dava a oferta para os foliões, e depois sua mãe fazia um “banquete” para eles. Depois disso, mesmo estando bem idoso, ele ainda vestia sua roupa de palhaço e pulava e dançava, fazendo muitos versos e desafios para todos que estavam presentes.
A comunidade de Vargem Alegre era muito animada. No Carnaval faziam muita festa: as mulheres faziam cordões de sementes, todos se pintavam de carvão, os homens se vestiam de mulher e logo aparecia no terreiro a mulinha, que fazia toda a brincadeira. Toda a festa era animada pelo toque da sanfona do “tio” Luiz. Seu Luiz faleceu com 111 anos de idade.
O caxambu era o que tinha de mais bonito na comunidade, segundo Lucinha, que tem muito respeito por ele, já que faz parte da história de sua família. Ela acredita que aprendeu muito pouco do caxambu, na época, porque saiu cedo de sua casa. Mas, depois que retornou, não perdeu mais nenhuma roda, e, com o falecimento da irmã Canutinha, acabou assumindo a liderança do grupo, junto com sua irmã Ormyr.
Para Lucinha, o caxambu mudou muito, mas “temos que aceitar as mudanças, porque elas acabam atraindo os mais jovens”.
Quando fala de religião, sua família “oficialmente” sempre foi católica, mas lembra das orações do avô com uma garrafa d’água e folhas verdes, todas as quartas-feiras. Os adultos não falavam para que eram essas orações, mas ela, muito curiosa, ficava espiando tudo pela fresta da janela da casa. As orações lembravam muito o kardecismo, que conheceu quando morava no Rio de Janeiro.
Sua mãe Antônia era rezadeira, parteira e raizeira. Sabia tudo dos remédios da mata. Sua irmã Luzia era umbandista e tinha uma mesa de oração na casa dela. Com sua morte, foi a mestra Maria Laurinda Adão, de Monte Alegre, que fez o fechamento da mesa e o despacho de encerramento.
Hoje cuida com muito carinho do caxambu e fica muito feliz ao ver seus sobrinhos Ludmila, Carlos Ronaldo e Aline começando a se interessar pelo grupo e a assumir a liderança, junto com ela e sua irmã Ormyr.
Lúcia integra diversos projetos que possuem como objetivo principal a preservação e a difusão do patrimônio imaterial local, como: Festa Raiar da Liberdade; Roda do Mês; Difusão da Identidade Caxambuzeira no Sul do Espírito Santo; Manutenção das Rodas de Caxambu de Cachoeiro de Itapemirim; e Oficinas de Formação de Capoeiristas e Caxambuzeiros no Quilombo Vargem Alegre.
Texto produzido a partir de entrevista concedida por Lúcia Maria Caitano a Genildo Coelho Hautequestt Filho, em 2024.
Fotos: Luan Faitanin Volpato